segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Trabalhos realizados no âmbito da oficina "Observação do real exterior/comportamentos objectivos"

No dia 11 de Janeiro de 2010, os alunos do 12º D e as professoras de Português e Geografia C deslocaram-se aos jardins do CISE para concretizarem uma oficina, que teve como ponto de partida o estudo de Alberto Caeiro, poeta da natureza, poeta da objectividade, poeta das sensações. A proposta apresentada aos alunos pelas docentes consistia na observação da natureza, do real exterior. No decurso da oficina, os alunos foram registando o que viram/observaram/percepcionaram/sentiram, tendo, no final, elaborado textos com base nos registos efectuados.
Alguns trabalhos resultantes dessa oficina:

Ser como Alberto…
No meu passeio matinal, descubro de como tudo no mundo se complementa, de como a natureza é magnífica e tão semelhante ao paraíso da vida. É admirável o quanto tudo se inter-relaciona, o quanto me sinto irmã de cada raio de sol que me ilumina, de cada folha, de cada planta, de cada brisa, de cada chilrear, enfim… de cada elemento da paisagem que vejo na minha frente.

Entre o movimento da cidade, encontro uma “mini - floresta” pela qual penetro e me deixo penetrar por tudo aquilo que recebo. O sol radia por entre os ramos das árvores e o frio faz-se sentir impiedosamente, gelando todos os cantos do meu corpo e até da minha alma. Nevou no dia anterior, pelo que ainda permaneciam pequenos flocos nas folhas e no chão, de tal modo brancos e límpidos, que não resisti em lhes tocar e sentir o suave gelo derretido nas minhas mãos. O cântico dos pássaros mistura-se com o movimento citadino vindo do outro lado do muro, ressoando uma buzina de ambulância, carros a passar, fábricas a trabalhar, pessoas a falar em diferentes tons e planos, tudo isto natural de uma dita paisagem humanizada.

Percorrendo a calçada olho de um lado e do outro, observo as diferentes espécies (abundantemente próprias do meu clima mediterrânico) de árvores, giestas e plantas, umas rasteiras, outras altas, alternando-se com uma certa diversidade de cores (o castanho das folhas secas caídas, o verde das plantinhas de folha persistente, dos musgos e líquenes que anunciam a pureza da atmosfera neste local, o azul do céu, o branco da neve, o amarelo - acastanhado das bolotas caídas no chão, o vermelho de frutos como os medronheiros, o doirado dos raios solares que penetram por entre os ramos) unindo-se numa densa camada, proibindo-me de ver para além do muro que as rodeia. Ao perfurar por entre esta diversidade, o solo queixa-se a cada passo meu, enquanto sinto o orvalho na minha pele molhada, as várias texturas dos troncos, dos ramos, das folhas, ora rugosas ora lisas, nas pontas dos meus dedos…e noto pequenos objectos não pertencentes àquele meio (como vidros, garrafas, papéis), próprios de um sítio inserido num espaço com algum movimento.

Ao seguir calmamente o trilho calcetado, as ramificações vão-se abrindo perante os meus olhos, descobrindo lentamente o horizonte, deixando a pequena brisa gélida circular mais livremente.

A minha atenção gira, neste momento, em torno da multiplicidade de elementos que constituem a paisagem desde a extremidade inferior até ao limite de onde os meus olhos conseguem alcançar. O céu, completamente limpo, dá a oportunidade de ver, bem ao fundo, a Serra do Caramulo, paralela à minha irmã Estrela consentindo a influência atlântica que se estende. Sigo o movimento da Terra encontrando novas formas de vida humana e natural a cada pestanejar dos meus olhos nas mais variadas direcções: aglomerados de casas de diferentes cores, tamanhos e estilos, amontoadas em aldeias, vilas ou cidades; pastagens planas, verdes e reluzentes, ocupadas com ovelhas castanho-escuras, castanho-claras e brancas; os carros lá ao longe a seguirem o trajecto das estradas pretas; os carros aqui ao perto; as fábricas em movimento ao meu lado balbuciando o barulho das suas actividades; os fios de alta-tensão eléctrica pouco por todo o lado; os trilhos enveredados pelo Homem que dividem pequenos territórios; pinheirais verdes aqui e além; árvores despidas do inverno que acompanham os cursos dos rios; o fumo saído da chaminé de alguma fábrica lá ao fundo; ligeiros montes que marcam algumas imperfeições de relevo. Todos estes elementos que observo se moldam num misto de sons, alimentados pelo ruído das máquinas a trabalhar nas fábricas, dos automóveis a circularem, do chilrear dos diferentes pássaros, das conversas das pessoas que me acompanham ou passam lá mais ao longe, da brisa.

Desta minha deambulação, apercebi-me mais uma vez de tudo aquilo que me rodeia e do quanto tudo é belo, seja humanizado ou não. Tudo complementa a minha vida e de um modo ou outro me compõe e já fazem parte de mim… cada árvore, cada fio eléctrico, cada brisa, cada chilrear…tudo me dá paz, tranquilidade e conforto.
Cristina Lopes

O canto dos pássaros. O restolhar das folhas. Chocalhos. Ramos a quebrar. Passos. Motores. Vozes.
Sombras. Verde. Castanho. Nuvens. Azul. Reflexo. Vermelho. Claridade. Castanho. Redondo. Branco. Verde. Castanho. Castanho.
Vento. Molhado. Rugoso. Suave.
Terra molhada.

Era um dia frio. Os passos ecoavam pelo chão molhado, fazendo restolhar as folhas e quebrar os ramos secos. As superfícies geladas e planas brilhavam ao sol invernal. A leve brisa fazia abanar as folhas das copas das árvores altas. O verde, lá em cima, confundia-se com um azul sem fim. Os ramos das árvores esticavam-se numa tentativa inútil de atingir o inatingível, de tocar o inalcançável. A harmonia natural confunde-se com o som de passos, vozes, respirações ofegantes. A tranquilidade estava quebrada.

Pouco a pouco, a Natureza desperta. Ouvem-se os pássaros, os cães, os insectos e tantas outras criaturas para quem o dia começara. Muitos deles agitam-se por baixo dos nossos pés, enquanto nós, ignorantes, continuamos a penetrar neste antro de autenticidade.

Lá fora, o mundo gira. Um sino, lento e ritmado, a sirene, os carros, as vozes de quem passa. Os sons da vida, ignorantes de uma outra vida – a que surge e se desenvolve todos os dias dentro da floresta.

Um espantalho fixa cegamente a paisagem. Deve estar ali há anos, olhando sem ver a Natureza à sua volta. Sentindo o mundo girar sem poder abandonar o seu velho pedaço de madeira e juntar-se à diversão. Não deve ser fácil ser espantalho.

Mas é fácil ser humano. É fácil ser humano e estar na floresta. É fácil ouvir e ver e cheirar e tocar e saborear outros humanos, alheios à maravilha que os rodeia. Humanos que quebram as folhas secas com os seus passos pesados. Humanos cujos dedos frios tocam a neve. Humanos que gritam e riem e tremem sob o céu gelado. Humanos que não pertencem ali.

No chão, por entre as folhas, um copo sujo de plástico. Um velho maço de tabaco. E, ironicamente, um ambientador em forma de pinheiro. Vestígios de um mundo lá fora, que aqui parece tão distante. Mas não importa. Porque amanhã, o sol voltará a brilhar.

Cátia Soares


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